A Educação Brasileira em 2021
Investigar a história, analisar as evidências de avanço ou inflexão, aprender com o passado para construir o futuro sempre foi um movimento essencial em qualquer área social – e assim, também, na Educação. Contudo, o momento inédito vivido no planeta, sob o impacto de uma pandemia avassaladora, colocou um ponto de interrogação sobre a evolução do ensino brasileiro, pois não basta conhecer os números da Educação para antever os desafios que virão. Este é o contexto em que o Anuário Brasileiro da Educação Básica é lançado, em 2021.
Os números oficiais primários disponíveis, como os produzidos pelo IBGE ou Censo Escolar, ainda não capturaram as consequências esperadas pelo fechamento das escolas. Não sabemos dimensionar, por completo, efeitos globais provocados pela adoção (ainda que precária) das soluções de ensino remoto ou, principalmente, os prejuízos para as camadas mais vulneráveis da população, que sequer tiveram acesso às aulas virtuais. Porém, é consenso entre os especialistas que os danos serão profundos e duradouros.
O Brasil é um dos países que por mais tempo permaneceu com escolas totalmente fechadas, em todo o mundo. Um levantamento internacional da Unesco mostrou que as escolas estiveram sem aulas presenciais por aproximadamente dois terços do ano letivo de 2020, em função da pandemia, com uma média de 29 semanas.
40 semanas
é o tempo que as escolas fecharam no Brasil – e, ainda hoje, há locais em que as aulas não retornaram e, como regra, as que retomaram as atividades o fazem em modo escalonado.
Dessa maneira, assim como ocorre entre os seres humanos, a doença apanhou com mais força um País que padece de muitas comorbidades – entre elas, desigualdades profundas, arraigadas e históricas, falta de infraestrutura, de investimentos e de prioridade na Educação.
O fechamento de escolas vem aumentar as diferenças de oportunidades, solapar direitos e reavivar problemas sociais que o Brasil estava trabalhando para superar: assim, males de caráter estrutural, como o acesso, a evasão e a baixa qualidade do sistema, foram impulsionados, em proporções que ainda não se consegue medir.
Os primeiros alertas chegam por estudos e pesquisas desenvolvidos por agências intergovernamentais, governos estaduais e organizações sociais. Um estudo recente, produzido pelo Instituto Unibanco, em parceria com o Insper, e liderado pelo economista Ricardo Paes de Barros, estima fortes defasagens em Matemática e em Língua Portuguesa, devido à menor aprendizagem nas atividades remotas, em relação às presenciais. Já o Unicef prevê o risco de o Brasil regredir duas décadas no acesso de meninas e meninos à Educação.
Para os que permanecem no sistema educativo, problemas de infraestrutura dificultam a segurança sanitária, a aprendizagem presencial e o uso de novas tecnologias.
Quase 10 milhões de alunos
estudam em escolas com algum problema sério de estrutura, que vão da falta de água potável à inexistência de internet, segundo um levantamento do Instituto Rui Barbosa.
Outro estudo, dessa vez, publicado pelo Banco Mundial, alerta para o atraso na alfabetização e aponta para um impacto educacional que afetará uma geração até a vida adulta, com diminuição de produtividade e perdas salariais.
A pesquisa, que compreendeu países na América Latina e no Caribe, projeta um prejuízo de até 1,7 trilhão de dólares em produtividade.
Os desafios só mostram a importância crescente da escola como equipamento público essencial. As diferentes abordagens para as perdas provocadas pela pandemia na Educação reiteram o necessário esforço que os países devem fazer, mais do que nunca, para colocar a escola e a Educação no centro das prioridades.
No caso brasileiro, é preciso cuidar para que o debate público não volte a tratar a escola como terra arrasada. A despeito de todos os obstáculos que ainda se enfrentam, desconsiderar os enormes avanços obtidos, principalmente, ao longo das últimas três décadas, pode ser contraproducente e agravar o quadro.
Esquecer as políticas bem-sucedidas, relaxar os marcos institucionais que representaram conquistas da sociedade, como o Plano Nacional de Educação, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o sistema de avaliação, entre outras, pode representar um obstáculo a mais para a necessária retomada do caminho de aprimoramento.
É um dado conhecido, por exemplo, que uma das causas da ineficiência do sistema educacional é a sucessiva descontinuidade de políticas, que se alternam a cada novo governo, quando a Educação é um processo que requer tempo, diagnóstico e avaliação, formação continuada, planejamento, intersetorialidade, entre outras ações organizadas.
Se a Educação poderia ter avançado mais rapidamente no Brasil pré-pandemia, também é verdade que deu passos significativos no campo do atendimento, do fluxo e da qualidade. Esse avanço é fruto de um aprendizado coletivo, de debates públicos e políticos, que podem servir como ponto de partida para as medidas que venham a ser tomadas de agora em diante.
Na Educação Infantil, o acesso às Creches vem se ampliando, e chegou a 58,4% para crianças de 2 e 3 anos. É preciso lembrar que, desde cedo, começam as desigualdades do sistema.
54,3% das crianças de 0 a 3 anos
pertencentes aos domicílios mais ricos estavam na escola em 2019, enquanto apenas 27,8% das crianças pertencentes aos domicílios mais pobres estavam matriculadas em Creches.
Na Pré-Escola, 94,1% das crianças de 4 e 5 anos estavam matriculadas em 2019, o que mostra o esforço significativo feito em todo o País para atender a essa obrigação constitucional. A universalização também vem se tornando cada vez mais próxima no Ensino Fundamental. Em 2020, 98% dos jovens de 6 a 14 anos estavam nessa etapa, embora a conclusão na idade esperada ainda permaneça como um obstáculo para quase 20% desses alunos.
Da mesma forma, o peso das desigualdades deve ser levado em conta como um desafio para todos.
96,7% dos jovens de 16 anos
pertencentes aos domicílios mais ricos concluíram o Ensino Fundamental, mas apenas 78,2% dos mais pobres chegaram a esse patamar.
As desigualdades de raça/cor também estão presentes.
77,5% dos jovens pretos de 16 anos
concluíram a etapa, enquanto essa proporção é de 87,3% entre os jovens brancos.
No Ensino Médio, para onde o foco das políticas vem se dirigindo especialmente nos últimos anos, o acesso seguiu avançando de forma consistente em 2020: 94,5% dos jovens frequentavam a escola (frente a 88,6%, em 2012) e 75,4% frequentavam o Ensino Médio – eram 61% há quase uma década.
Com todos os esforços feitos, a escolaridade da população de 18 a 29 anos passou de 9,8 anos, em 2012, para 11,8, em 2020. O avanço na média de anos de estudo vem sendo acompanhado pela redução da desigualdade entre os grupos sociais. Se, em 2012, os 25% mais ricos tinham 4,3 anos de escolaridade a mais do que os mais pobres, essa diferença caiu para três anos, em 2020.
O fluxo, que mede a eficiência do sistema educativo, também vinha registrando progressos, em um País marcado pela cultura da reprovação. Em 2020, 9,7% dos estudantes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, 22,7% dos estudantes dos Anos Finais e 26,2% dos alunos do Ensino Médio apresentavam defasagem igual ou superior a dois anos em relação à série que deveriam estar cursando, números pelo menos seis pontos percentuais inferiores aos registrados em 2009.
Não só o acesso e o fluxo avançaram, mas o País pode comemorar ganhos naquele que é o objetivo central da Educação: a efetiva aprendizagem.
Conforme os resultados nas avaliações oficiais, na rede pública, a porcentagem de alunos com aprendizagem adequada em Língua Portuguesa, no 5º ano do Ensino Fundamental, passou de
35,6%, em 2011, para 56,5%, em 2019.
Nos Anos Finais, de 21,8% para 35,9%, e, no Ensino Médio, de 23,3% para 31%, no mesmo período. Em Matemática, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, o ganho foi de quase 15 pontos percentuais, nos últimos oito anos.
Conquistas semelhantes podem ser vistas na Educação Integral, na formação de professores e no acesso ao Ensino Superior – ainda que sempre mais lentamente do que o necessário e com a marca renitente das desigualdades. Mas os avanços e as tendências de evolução devem ser considerados em todas as comparações que venham a ser feitas quando os números oficiais da Educação tiverem abrangência suficiente para analisar os impactos da pandemia.
Não se trata de voltar a um ponto anterior, mas de olhar para frente e atualizar a visão de futuro sobre que Educação o Brasil precisa, do ponto de vista da justiça social e do conjunto de direitos conquistados pela sociedade nas últimas décadas.
Se, até 2019, o que orientava a pauta social das pressões e articulações por melhoria na Educação eram diagnósticos construídos até então, consolidados na agenda do PNE, a partir de agora será necessária uma ampla revisão dos dilemas do sistema educativo. A pandemia chegou em um momento em que o País rediscutia sua base curricular, a estrutura do Ensino Médio, as fontes de financiamento e uma série de desafios já muito urgentes.
O impacto sobre as crianças e os jovens mais vulneráveis demandará políticas focadas e ações prioritárias, que exigirão, ao mesmo tempo, evidências científicas e mobilização política e social. São impactos de ordem pedagógica, certamente, mas que envolvem dimensões emocionais, físicas, de trabalho e renda, enfim, um olhar integral sobre a população em idade escolar, da Educação Infantil ao Ensino Superior.
Para tudo isso é preciso diagnóstico, políticas e, sem dúvida, recursos financeiros. Também nesse aspecto, o Brasil vem conseguindo ampliar significativamente os recursos destinados à Educação, ao longo das últimas duas décadas, inclusive por força de dispositivos legais, como a Constituição Federal, o Fundeb, entre outros.
Contudo, em ambientes de crise econômica e queda de arrecadação, não faltam propostas de flexibilização de despesas obrigatórias e artifícios para mudar o destino dos recursos. Assim, durante o primeiro ano da pandemia, foi possível ver que a quase totalidade de Estados e Municípios reduziu consideravelmente suas despesas em Educação, como mostram os números do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021.
O País investe, hoje, 6,3% de seu PIB
anual em Educação, mas o valor absoluto por aluno na Educação Básica brasileira ainda é consideravelmente inferior ao observado nos sistemas educacionais do mundo desenvolvido.
Segundo dados da OCDE, o gasto médio por aluno na Educação Infantil e Ensino Fundamental é 2,3 vezes maior entre os países que integram a organização do que no Brasil.
Além disso, é preciso considerar o gasto substancialmente maior no Ensino Superior, em relação à Educação Básica. Enquanto, nas nações da OCDE, gasta-se 1,8 vez mais com as universidades, no Brasil, a diferença sobe a quase quatro vezes. Não se trata de gastar menos com o Ensino Superior, mas de ampliar os recursos destinados às redes públicas municipais e estaduais de Educação Básica.
Dessa maneira, o enfrentamento urgente da pandemia deverá, mais do que nunca, estar manifesto na lei, nas políticas públicas e no orçamento da União, dos Estados e dos Municípios. E com o máximo senso de urgência. Os gestores públicos e especialistas em Educação concordam que não é possível esperar 2022 para agir. O que fizermos a partir de agora expressará nossa real capacidade, como País, de reconhecer e respeitar, de fato, o direito de nossas crianças e jovens à aprendizagem.